
























Esta lira já tem seu guardião, protetor, tocador e emissor de vibrações divinas. Reclusa, quase secreta, congrega e concilia os ideais e aspirações de toda uma juventude, ainda pura no seio desta pequena cidade circundada de verde e imersa no oceano infinito dos tempos: Pindobaçu.
Pouco se tem escrito sobre ela; portanto, mantém-se singela e não poluída pelas águas das ambições desmedidas e dos sonhos grandiosos daqueles que ainda não aprenderam sobre a beleza e força do simples.
Este jovem, entretanto, já fez soar sua lira, e esta, já foi ouvida para muito além das suas montanhas...
Revelo, pois, o nome deste alvissareiro poeta, HERONALDO RAMOS, doravante canal constante da poesia que se fez ou se fará brotar das fontes puras de seus jovens de todas as idades, uma vez que essa eterna fonte de juventude e beleza irá fortalecer e renovar os canais de comunicação dessa linda cidade; para ele, nossos votos de imaginação, inspiração, intuição e insight – constantes, para que o Amor se revele em suas múltiplas formas atingindo os corações daqueles que buscam compreender a verdade sobre si mesmos.
Tânia Belfort
DEDICATÓRIA – a todos os amantes
“...vós que me amastes pelo tímido início
de amor que vos tinha e do qual me evadia,
pois o espaço que amava em vosso rosto
em espaço cósmico se transformava.
- Enquanto aguardo diante do palco dos títeres – não,
quando me transformar inteiramente num intenso olhar...
um Anjo surgirá para refazer o equilíbrio,
como o ator que anima os títeres, Anjo e boneco:
haverá por fim espetáculo.
Congrega-se então o que, sem cessar,
nossa existência mesma desagrega.
E nasce das nossas estações
o ciclo da transformação total.
Muito acima de nós,
o Anjo brincará...”
Rainer Maria Rilke
Elegias de Duíno
OS PADRINHOS E AS MADRINHAS
DA LIRA DE PINDOBAÇU
FERNANDO PESSOA
CANÇÃO
“Silfos ou gnomos tocam?...
Roçam nos pinheirais
Sombras e bafos leves
De ritmos musicais.
Ondulam como em voltas
De estradas não sei onde,
Ou como alguém que entre árvores
Ora se mostra ou esconde.
Forma longínqua e incerta
Do que eu nunca terei...
Mal ouço e quase choro,
Por que choro não sei.
Tão tênue melodia
Que mal sei se ela existe
Ou se é só o crepúsculo,
Os pinhais e eu estar triste.
Mas cessa, como uma brisa,
Esquece a forma aos seus ais;
E agora não há mais música
Do que a dos pinheirais.”
AO LONGE, AO LUAR
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
HOJE QUE A TARDE É CALMA
Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo,
E a noite chega sem que eu saiba bem,
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.
Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
De ser eu mesmo de meu ser me deu.
Como a páginas já relidas, vergo
Minha atenção sobre quem fui de mim,
E nada de verdade em mim albergo
Salvo uma ânsia sem princípio ou fim.
Como alguém distraído na viagem,
Segui por dois caminhos par a par.
Fui como o mundo, parte da paisagem;
Comigo fui, sem ver nem recordar.
Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
Que sou diverso no que informe estou.
No meu próprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.
Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por estar aqui?
Serei eu, porque todo o pensamento
Podendo conceber, bem pode ser,
Um dilatado e múrmuro momento,
De tempos-seres de quem sou o viver?
CANTO XLVIII
do livro "O GUARDADOR DE REBANHOS"
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu nem sequer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar
e a sua água é sempre a que foi sua.
JACQUES PRÉVERT
O TERNO E PERIGOSO ROSTO DO AMOR
O terno e perigoso
rosto do amor
me apareceu numa noite
depois de um dia muito comprido
Talvez fosse um arqueiro
com seu arco
ou ainda um músico
com sua harpa
Não me lembro mais
Nada mais sei
Tudo o que sei
é que ele me feriu
talvez com uma flecha
talvez com uma canção
Tudo o que sei
é que ele me feriu
feriu aqui no coração
e para sempre
Ardente muito ardente
ferida do amor.
O GATO E O PÁSSARO
Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
O gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não se volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades...
É preciso nunca fazer
as coisas pela metade.
CAFÉ DA MANHÃ
Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.
PARA PINTAR O RETRATO DE UM PÁSSARO
Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tem a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar
numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde
e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim
no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
NIETZSCHE
Nietzsche pensou o mundo como uma
“grandeza indeterminada de força”,
que apresenta um número calculável de
combinações...
tudo o que já ocorreu virá a existir novamente:
o cosmos é concebido como um
curso circular de séries absolutamente idênticas,
atendendo única e exclusivamente à “vontade de potência”.
Essa concepção do universo
abole as noções de princípio e fim
e coloca o homem em meio a um
curso circular infinito. Vejamos...
“(...) Homem! Tua vida inteira, como uma ampulheta,
será sempre desvirada outra vez
e sempre se escoará outra vez,
- um grande minuto de tempo no intervalo,
até que todas as condições,
a partir das quais vieste a ser,
se reúnam outra vez no curso circular do mundo.
E então encontrarás cada dor e cada prazer
e cada amigo e inimigo
e cada esperança e cada erro
e cada folha de grama
e cada raio de sol outra vez,
a inteira conexão de todas as coisas.
Esse anel, em que és um grão,
resplandece sempre outra vez.
E em cada anel da existência humana
- em geral há sempre uma hora -
em que primeiro para um,
depois para muitos,
depois para todos,
emerge o mais poderoso dos pensamentos,
o pensamento do eterno retorno de todas as coisas:
- é cada vez,
para a humanidade,
a hora do "meio dia".
(O Eterno Retorno...)
MANUEL BANDEIRA
O RIO
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.
ENTRE O EFÊMERO E O ETERNO
Belo Belo Belo
Tenho tudo quanto quero
Tenho o fogo das constelações
Extintas há milênios.
E o risco brevíssimo – que foi?
passou!
De tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se
E eu guardo
As mais puras lágrimas da aurora.
O dia vêm,
E dia adentro
Continuo a possuir
O segredo grande da noite.
Belo Belo Belo
tenho tudo quanto quero
Não quero o êxtase nem os tormentos
Não quero o que a terra dá só com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar
Não quero ser amado
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
Quero a delícia de poder sentir
As coisas mais simples.
EMBALO
no balanço das águas
ao trépido pulsar...da máquina
embalar
as persistentes mágoas
das peremptas feridas...
beber o céu nos ventos
sabendo a sonolentos
sais e iodados relentos.
anseios de insofridas
esperas e esperanças
diluem-se nas brumas
como na vaga e espuma
- flores de espumas mansas –
que a um lado e outro abotoa
da cortadora proa.
azuis de águas e céus...
sou nada, e entanto agora
eis-me centro finito
do círculo infinito
do mar e céus afora.
estou
onde está Deus.